Carros, roupas e móveis: tragédia no RS impacta cadeia de fornecimento pelo país

Fábricas que dependem de insumos produzidos no estado são afetadas

As chuvas no Rio Grande do Sul não apenas alagaram empresas locais, causando perdas de estoque e interrompendo processos produtivos, como estão afetando indiretamente companhias que dependem de insumos produzidos no estado.
A Volkswagen anunciou que estuda adotar férias coletivas em três fábricas paulistas em razão das enchentes, que têm afetado a cadeia de produção da montadora. Para prevenir atrasos aos clientes, a Toyota informou que vai mudar temporariamente o destino dos embarques de seus produtos produzidos na Argentina, de Guaíba (RS) para Vitória (ES).
Já representantes de setores como o de madeira e tecidos, que produzem insumos no estado e vendem para empresas espalhadas pelo país, apontam que há problemas pontuais de abastecimento, que não devem se prolongar.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) informou que 74 cidades — entre mais de 449 municípios impactados — informaram prejuízos financeiros superiores a R$ 9 bilhões desde o início das tempestades em 29 de abril. A agricultura deve ser o setor mais impactado, com perdas estimadas em R$ 1,3 bilhão. Em seguida, aparecem a indústria (R$ 255,5 milhões) e a pecuária (R$ 167 milhões).
Balanço da Defesa Civil, publicado nesta quinta-feira, indica que 151 pessoas morreram em decorrência das enchentes e outras 104 permanecem desaparecidas. Mais de 2,2 milhões de residentes foram impactados pelas chuvas.
Setor automotivo
Segundo a Volkswagen, as unidades de São Bernardo do Campo, Taubaté e São Carlos poderiam ser paralisadas a partir do dia 20 de maio. Em comunicado, a empresa informou que fornecedores de peças instalados no Rio Grande do Sul não conseguem produzir no momento.
O vice-presidente da Câmara de Indústria e Comércio (CIC) de Caxias do Sul, Ruben Bisi, conta que a empresa depende da suspensão para carros produzida em Caxias do Sul, que por sua vez depende de componentes fornecidos por empresas de São Leopoldo, cidade atualmente inundada. A montadora disse que protocolar as férias coletivas foi uma medida preventiva.
Ricardo Christophe da Rocha Freire, sócio da área de Direito do Trabalho do escritório Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados, explica que uma lei aprovada na pandemia instituiu regras alternativas em caso de calamidade pública decretada em âmbito nacional, ou estadual e municipal com reconhecimento federal.
Há possibilidade de teletrabalho, antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas e suspensão dos recolhimentos do FGTS.
A Toyota do Brasil anunciou que o seu Centro de Distribuição de Guaiba (RS) voltou a operar ontem. Apesar dos problemas no setor, a empresa destacou que não há previsão de desabastecimento de peças no momento. Ainda não foi necessário implantar férias coletivas ou qualquer outra medida, informou em nota.
Levantamento do Sindipeças indica que empresas do segmento representaram 12% do faturamento do estado em 2023, o equivalente a R$ 238,2 bilhões.
Atualmente, os principais problemas operacionais no setor de autopeças estão ocorrendo em Porto Alegre, mas há entraves relacionados ao transporte de mercadorias em todas as regiões. Isso pode resultar em falhas pontuais, mas o Sindicato afirma que não há um risco sistêmico de desabastecimento de autopeças.
Bisi destaca que o Rio Grande do Sul é o segundo maior polo automotivo, produtor de metal e fabricante de plásticos do país, com grande fornecimento de peças para veículos, ferramentaria e implementos rodoviários. As empresas locais vendem principalmente para Cascavel (PR), Botucatu (SP) e Joinville (SC), além de exportarem para Colômbia, Argentina e México.
— O setor automotivo deve ser o mais afetado, mas no curto prazo. Outro setor que deve ser impactado é o de máquinas agrícolas, já que o estado tem o maior parque de fornecimento.
Impacto temporário
O presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem, Malharias, Vestuário, Calçados e Acessórios da Serra Gaúcha (Fitemavest), Rogério Bridi, avalia que outros estados podem enfrentar problemas de desabastecimento, decorrentes da paralisação de grandes fornecedores de tecido instalados no Rio Grande do Sul.
Ele avalia, no entanto, que o impacto deve ser temporário, porque as compradoras costumam migrar rapidamente para fornecedores que tenham produtos similares, garantindo a chegada dos insumos.
— Pode haver impacto para o Brasil inteiro. Grandes empresas de tecelagem do Rio Grande do Sul foram impactadas. Deve haver mudanças principalmente no prazo de entrega. O grande centro consumidor é São Paulo, mas também Santa Catarina — conta.
O isolamento das rodovias de acesso é o maior problema encontrado, já que as mercadorias não podem ser escoadas. Isso impacta tanto a indústria instalada em outros cantos do país, que depende de insumos produzidos no Rio Grande do Sul, como as empresas locais, que não recebem suprimentos e interrompem suas operações.
O Rio Grande do Sul também comercializa toras de madeira para outros estados. De acordo com o Sindimadeira, sindicato que representa o setor, houve temporariamente uma busca das empresas compradoras por outros fornecedores, mas a tendência já é de normalização.
As toras são vendidas principalmente para Santa Catarina, e uma boa quantidade também abastece empresas locais. Leonardo de Zorzi, presidente da entidade, afirma que as enchentes fizeram com que as peças não pudessem ser removidas e transportadas.
O estado também comercializa móveis industrializados. O fechamento das rodovias e do porto de Rio Grande fez com que as atividades fossem interrompidas por alguns dias, mas a maioria dos acessos já foi restabelecida. As empresas do segmento madeireiro podem ser encontradas por todo o Rio Grande do Sul, mas se concentram principalmente na Serra Gaúcha e na Depressão Central.
— Tanto a saída de matéria prima, como de produtos industrializados, já melhorou essa semana. As estradas estão melhores. Tivemos problemas com a colheita das árvores por alguns dias, que já estão diminuindo também. No entanto, ainda existem bloqueios no interior do estado e que, mesmo com o acesso restaurado em algumas localidades, os desvios acabam elevando os custos — conta.
Ricardo Christophe Freire
Publicado por O Globo, Época e Pequenas Empresas & Grandes Negócios