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Receita esclarece tributação de sócio ostensivo
Interpretação da Receita Federal vincula os auditores fiscais e todos os tomadores de serviço na mesma situação
Os sócios ostensivos de uma Sociedade em Conta de Participação (SCP) que sejam pessoas físicas devem pagar tributos e prestar informações fiscais como empresa. Segundo esclareceu a Receita Federal na recente Solução de Consulta nº 125/2025, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), eles são equiparáveis a uma pessoa jurídica para fins tributários.
É a primeira solução de consulta a tratar do tema. De acordo com advogados tributaristas, a dúvida é comum no mercado, que costuma usar essa estrutura para que os sócios participantes do negócio recebam dividendos isentos.
Na visão do contribuinte que fez a consulta, porém, a norma vigente sobre o assunto, a Instrução Normativa nº 2005/2021, não disciplinava sobre a necessidade de apresentação de obrigações acessórias para sócios ostensivos enquanto pessoa física. E os próprios dispositivos legais que regulamentam a sociedade não exigem que o sócio ostensivo seja pessoa jurídica.
A SCP, prevista nos artigos 991 a 996 do Código Civil, funciona, na prática, como um contrato ou parceria. Nele, existem dois tipos de sócio – o ostensivo, que é o responsável pelo negócio e responde a terceiros por eventuais prejuízos, e o oculto ou participante. Este último pode ser ou um investidor ou um colaborador, como um professor vinculado a um cursinho vestibular ou escritório de advocacia subcontratado por outros para determinado litígio. Também é usado para empreendimentos imobiliários, de engenharia e arquitetura.
O benefício de firmar um contrato desse tipo é que termina sendo mais simples do que alterar o capital social de uma empresa. Pode-se inclusive dar poderes aos acionistas minoritários. E, no caso do sócio oculto, não precisar se preocupar com a administração do negócio, apenas angariar os lucros, isentos de impostos, por serem entendidos como dividendos. Esse entendimento foi definido pela 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Para fins tributários, a SCP deve ser tratada como uma pessoa jurídica, devendo recolher Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins e outros tributos e contribuições. Para o auditor fiscal Rodrigo Augusto Verly De Oliveira, coordenador-geral da Cosit, a equiparação deve ocorrer porque o sócio ostensivo “explora em nome próprio, de forma habitual e profissional, uma atividade econômica com intuito especulativo de lucro, por meio da venda a terceiros de bens ou serviços”.
Oliveira diz ainda, no documento, que o parceiro ostensivo pessoa física está obrigado a fazer a inscrição no CNPJ da SCP e enviar as obrigações acessórias correspondentes, como declarações de débitos e créditos tributários federais. Essa, inclusive, é a principal mudança.
De acordo com o tributarista Matheus Bueno, sócio do Bueno Tax Lawyers, a quantidade de documentos a ser entregue para a fiscalização vai aumentar, o que torna a operação mais complexa para o contribuinte. “Na pessoa física é só apurar a renda e fazer poucas deduções, de educação e de saúde. Mas na pessoa jurídica tem que apurar resultado, calcular a receita líquida e bruta, por exemplo. Então, dá um certo trabalho”, afirma.
Bueno diz que a dúvida no mercado era se o sócio poderia ser pessoa física – algo que a consulta não proibiu, apenas afirma que precisa ser tributada como se pessoa jurídica fosse. “Havia uma lacuna, então os sócios tinham que assumir o risco, criavam a SCP, mas tendo o sócio ostensivo como pessoa jurídica sempre”, diz.
A conclusão do Fisco, que vincula todos os auditores fiscais do país, na visão dele, pode fazer com que não valha a pena manter sócio ostensivo como pessoa física, por conta das questões burocráticas exigidas. “Já que vai ser equivalente a uma pessoa jurídica, na prática, pode ser melhor já criar uma sociedade dentro do CNPJ”, acrescenta.
Rafael Balanin, sócio Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados, diz que a dúvida permeava o ambiente de negócios porque a legislação tributária exigia que a SCP entregasse obrigações acessórias típicas de pessoa jurídica. “A Receita elimina essa dúvida e permite expressamente que o sócio ostensivo seja pessoa física, mas, ao mesmo tempo, reforça a necessidade que essa SCP tenha registro e CNPJ e que o sócio não seja isento de entregar documentos”, afirma.
Para os empresários que não faziam a equiparação, há o risco de autuação. É o caso do próprio contribuinte que fez a consulta, mas, como ele pediu o esclarecimento para a Receita Federal, não será multado. “Pode existir o questionamento por parte das autoridades fiscais se houver alguma diferença de imposto, mas não necessariamente a pessoa jurídica está sujeita a uma maior tributação que a pessoa física”, acrescenta Balanin.
Segundo o tributarista, as multas pela falta de entrega das obrigações podem chegar a 20% do montante dos tributos que deveriam ter sido informados.
Publicado por Valor Econômico.