Especial: Itens mais conflitantes da Reforma Tributária devem ser alterados no Senado

São Paulo, 26/07/2024 – Algumas mudanças trazidas pela reforma tributária têm trazido mais dúvidas de execução e ameaças de judicialização do que outras, caso sejam aprovadas com a atual redação. Assim, os especialistas apostam em mudanças maiores no Senado – e cabe às empresas e aos setores continuarem informando os legisladores dessas dificuldades.
Além da questão do teto da tributação, com a possibilidade de a alíquota de referência fixada do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) ser superior a 26,5% e que vem sendo exaustivamente discutida, eles apontam outros itens:
SPLIT PAYMENT E ORDEM DE USO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS
Hoje, os créditos e débitos tributários são apurados dentro do mês corrente. No fim desse período, o contribuinte sabe se tem imposto a receber ou a pagar. Agora, com o chamado split payment, os impostos são apurados e recolhidos no momento da transação. “Será uma das maiores alterações para as empresas com a reforma tributária”, afirma Marcel Alcades, sócio da área de tributário do escritório Mattos Filho.
Além disso, da forma como prevista, a empresa deve utilizar os créditos tributários para o pagamento dos impostos devidos anteriormente e, só depois, usá-los para compensar o valor devido no mês corrente. “Essa exigência pode levar ao uso dos créditos para pagamento de dívidas com as quais os contribuintes discordam e que eventualmente estejam discutindo administrativa ou judicialmente”, afirma Rafael Balanin, sócio do escritório Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados.
Para Alcades, o contribuinte pode ser prejudicado em termos de fluxo de caixa e, também, caso discorde com o pagamento desses tributos. “Assim que a operação acontecer, o tributo será pago automaticamente e, posteriormente, a empresa terá de pedir seu ressarcimento”, diz. “Se há uma discussão judicial em curso, na qual tenho uma liminar para não recolher o imposto, por exemplo, como será dada a ordem para a administradora de cartão de crédito, para que ela não recolha o tributo?”
Além disso, o fato de as dívidas tributárias das empresas em discussão na Justiça terem correção monetária, ao passo que os créditos tributários não têm, cria uma distorção que prejudica as companhias.
EMPRESAS SUJEITAS À ALÍQUOTA ZERO SÃO MAIS BENEFICIADAS DO QUE OPERAÇÕES ISENTAS OU IMUNES
Fabricantes de produtos imunes e isentos (não sujeitos à tributação) terão de estornar créditos aproveitados em decorrência das aquisições de bens e serviços necessários para a realização da venda. Essa mesma exigência não se aplica, porém, para produtos sujeitos à alíquota zero, como os fornecedores dos produtos da cesta básica, por exemplo.
“Na prática, isso cria efeitos tributários diferentes a situações que têm tratamentos econômicos similares”, diz Balanin. “Os produtos sujeitos à alíquota zero passam a ter vantagens tributárias em relação aos imunes e isentos.” Isso pode provocar discussões na Justiça e, para os especialistas, seria melhor dar igualdade tributária antes da redação final da lei.
Além do tratamento tributário diferente, a depender do volume de crédito a ser estornado, para algumas empresas a imunidade e a isenção podem não ser compensadores financeiramente. “Se eu sou imune, mas não tomo crédito, eu estou arcando com o custo do tributo”, afirma Alcades. Porém, essa já é a realidade de diferentes setores hoje.
GARANTIA DE CRÉDITOS DE PRESTADORES DE SERVIÇO E LOCADORES
Na forma como está redigido o PL 68/2024 (a lei da reforma tributária), há potencial violação ao princípio da isonomia entre contribuintes egressos do ICMS, sujeitos ao ISS no sistema atual ou mesmo não sujeitos a nenhum dos dois tributos, segundo João Paulo Cavinatto, sócio da área tributária do Lefosse.
Isso porque a nova regra previu mecanismos de resgate de resíduos tributários somente para o setor imobiliário, por meio de redutores de ajustes previstos no regime específico idealizado para operações com bens imóveis. Mas não há “mecanismo similar para contribuintes que atualmente tratam o ICMS sobre os ativos como custos de sua atividade”, diz ele.
Esse resíduo tributário tende a ser mais relevante em atividades que demandam alto investimento em infraestrutura e ativo imobilizado, como saneamento básico, academias de ginástica, locadores de veículos, máquinas e equipamentos. “Seria razoável que o PL 68/2024 fosse emendado para prever algum mecanismo de recuperação – ainda que parcial – dos resíduos tributários do ICMS incidente sobre a aquisição desses ativos, assim como foi feito para as operações com bens imóveis, sobretudo porque com a sujeição das atividades ao IBS”, afirma Cavinatto.
DIFICULDADES EM FINS ADUANEIROS
Apesar da solicitação de alguns grupos de trabalho para priorizar a transparência no âmbito aduaneiro, o texto da reforma tributária manteve o cálculo por dentro do IBS e da CBS incidentes sobre a importação, segundo Cavinatto. “Isso tende a gerar maior complexidade ao sistema, em contramão aos objetivos da reforma”, diz ele. “Além disso, a obtenção e manutenção do certificado de Operador Econômico Autorizado (OEA), para fruição de facilidades aduaneiras, continuará sendo um processo burocrático e custoso.”
Para Cavinatto, os contribuintes devem se manter atentos e atuantes, pois ainda há espaço para que o PLP 68/2024 seja alterado no Senado.
Rafael Balanin
Publicado por Agência Estado e Estadão